Textos

TEXTO 4 (ele ela)

Então ele a encontrou:

seu corpo estava ali -porque ele não saberia dizer se ela, de fato, estava; escondida e encolhida, seu cabelo bagunçado e disfarçado num mal feito coque. Ela apenas apoiava seu corpo na parede e seu braço, o que não estava entre a parede e o tronco, estava apoiado em seu joelho, amassando seu vestido amarelo (que antes se destacava no meio da festa). Ele notou que em sua mão havia um copo de cerveja, era tão grande que deixava sua mão semiaberta quando segurava-o. Ela havia bebido. E muito.

Seu olhar não se mexera para encará-lo, na verdade, ele nem saberia dizer se ela o vira chegar: o rosto esteve o tempo todo apoiado naquela suja parede enquanto o olhar acompanhava fitando o nada. Seus olhos, que carregavam aquele algo perdido, estavam borrados do antes impecável delineador, e sua boca já não tinha um tom natural.

Sem hesitar, mas com cautela, ele deslizou as costas naquela parede verde-imunda, sentando-se de perfil para ela. Não precisou olhá-la para saber que não movera o olhar.

Pelo menos agora saberia que ele estava ali.

Apesar de lá fora tocar Yesterday dos Beatles, anunciando o fim da festa, junto às gargalhadas de quem ainda se divertiria depois dela, o silêncio estava congelante ali. Sua vontade de pegar o cigarro solitário no bolso de seu casaco e se encolher para fumar era grande. Ele precisava disso. Mas não podia agora, pelo menos um momento do dia não ia foder tudo. Agora não.

– Eu… – ele ensaiou enquanto direcionava a cabeça nela.

– Como está ela? – ela o cortou olhando, mesmo que por segundos, seu queixo.

– A gente terminou – ele enfim respondeu -depois de hesitar um pouco- soltando a respiração que não percebera que havia prendido. Ela não queria conversar.

Ela permanecia em um pensamento vago, parecia que um filme do seu dia se repetia pela sua cabeça. Droga, droga, DROGA! Sua cabeça explodia, tudo que ela queria era abraçá-lo e dizer que precisava dele e que não se importava com o que acontecera, perdoava-o. Mas não podia; precisou ser forte para, ao vê-lo aproximar sua cabeça, bufar em cima de sua boca e, com certa dificuldade, levantar-se com seu copo. Ela não poderia se permitir, não de novo.

Ele via seu corpo indo embora e sorriu. Um sorriso melancólico. Sempre achava que ela ficava engraçadinha quando bêbada, sua bochecha ficava vermelha e seu caminhar ficava mais… sexy. Então se lembrou de tudo e o sorriso se desmanchou. A música, que agora estava acabando, lhe parecia tão perfeita agora. Ele tinha fodido tudo.

 


TEXTO 3 (Bicycle Runner)


84: bicycle runner

Depreciava-se. Estava tudo tão parado. Apoiava a mão sobre o queixo na esperança de que a dor do sustento pudesse trazer alguma mudança. Não trouxe.

Do outro lado do vidro, alguns metros abaixo de onde estava, podia ver dois garotos -seus vizinhos- empurrando suas bicicletas. Aquela era a única que conseguira prender sua atenção, porque ela nunca aprendera. Nunca aprendera a andar de bicicleta. Os primeiros tombos que levara a fizeram desistir. Todo verão prometia a mesma coisa e nunca aprendia a pedalar.

Abri a porta do meu armário. Era vergonhoso; ela ainda estava nova.

Meu pai me dera há dois natais: “pra você sair um pouco ao ar livre” e eu disfarcei minha frustração com um sorriso simpático. Sempre fora boa nisso.

Provavelmente o pai não sabia que ela permanecia intacta.

 

tanto a foto quanto a imagem eu já tinha postado no meu flickr, dá uma olhada lá ;) — o texto é de uma personagem chamada Amanda duma história que não tem título ainda (só o título em inglês, mas eu tou nacionalista e o quero em português), mas que eu escrevo há um bom tempo. É capaz de, de vez em quando, aparecer alguns personagens aleatórios dela.


TEXTO 2

35. 35 quilos. É, eu peso trinta e cinco quilos. Desculpe se estou parecendo grossa, de verdade não foi a intenção. Mas você também não se preocupou comigo quando perguntou isso, ou se preocupou? Seja sincera, você pergunta isso a um gordinho? Então porque comigo é diferente? E eu podia ter sido pior: poderia ter inventado uma história, dizendo que eu tive transtornos alimentícios há dois anos.  Seria mais constrangedor, né? Ou que estou há três dias sem comer. Como você lidaria? Mas, na verdade, essa raiva que eu senti com a sua pergunta não foi simplesmente pelos quantos quilos eu não tenho. Isso já ultrapassou a questão. Essa raiva vem da falta de aceitação para o diferente; Se a pessoa quer pintar o cabelo de verde ou fazer artes ou se vestir que nem homem, isso, bem, isso é problema dela, não é? Então para com isso, por favor, eu não tou com muita paciência pra dizer as coisas que você pode ler em qualquer livro de auto-ajuda. E é claro que eu não peso trinta e cinco quilos.


TEXTO 1

tag nova, porque veio uma vontade de recomeçar do zero. mas o TRANSYLVANIAS foi tão longe, reformulações são sempre importantes.

Eu me sentia tão ridícula ali. O que eu deveria dizer? Desculpas? Foi mal ae? Prometo que não vai acontecer de novo? Tudo parecia tao clichê e vazio. Tudo parecia tão comum. Acho que eu já disse algumas dessas frases pra você. Algumas vezes. Não é que eu faça de propósito, eu realmente gosto de você. Mas tem esse bichinho aqui, bem dentro de mim, que me diz para aproveitar o melhor que a vida tem a me oferecer antes que ela não me ofereça mais. Mas veja bem, eu não faço por mal. Eu me sentia tão ridícula ali. Roí a merda da unha do meu dedão que ‘tava intacta há algumas semanas. Tantos sacrifícios pra eu destroçá-la perante a um nervosismo estúpido. Agora eu devo estar também com esmalte azul nos meus dentes da frente. Legal. Bom, eu poderia pedir desculpas e dar um sorriso azul, aposto que você riria. Olhei pro lado: o céu tava azul pra caralho. Lembra quando nós estávamos começamos a nos conhecer? A gente tentou andar de bicicleta. Sim, tentou, porque eu não tinha mencionado antes que eu tenho medo de atropelar as pessoas e, no final das contas, isso atrapalha tudo. Eu ri. A sua avó sorriu gentilmente pra mim. Apesar de toda a nossa aproximação, acho que eu só a vi uma ou duas vezes. Eu realmente não ia muito a sua casa. Será que ela sabia meu nome? Eu me sentia tão ridícula ali. Sua avó falou que você tava saindo do banho, mas até agora a porta do banheiro não abriu. Mordi a boca. Estava calor mesmo. Devia ter vindo de chinelos. Eu fitava meus pés feios (devia ter cortado as unhas) quando um barulho indicou, finalmente, a porta do banheiro sendo aberta. Eu não ouvia, mas sentia os seus passos descalços se aproximando. Como eu ia explicar o negócio do bichinho, mas que, sem você, tudo é mais chato? Soa impossível, no entanto, eu juro que, num estalo, você estava na minha frente. Eu me sentia tão ridícula ali.